Eu aprendi a patinar durante a pandemia – e curei um trauma no decorrer do processo
|Durante uma pandemia que colocou a preocupação na cabeça de todos, encontrar Lysoform ficou difícil. Mas encontrar um par de patins? Na verdade agora está ainda mais difícil.
A patinação se tornou a moda mais intensa para a Geração Z e os millennials em quarentena – e tudo graças ao Tik Tok. Se você deslizar pelo aplicativo por apenas um minuto ou dois, você vai se deparar, inevitavelmente com algum vídeo de alguém patinando. Nestes clipes hipnotizantes e estranhamente calmantes, patinadores deslizam com suavidade, movimentos sem peso adicionados ao som. Eles parecem em êxtase e em grande paz, mesmo neste caos que estamos vivendo no mundo hoje. Como alguém que só está assistindo você não tem como aliar-se ao patinado, mas quer capturar aquele sentimento, ao mesmo tempo quer sentir aquela sensação infantil da patinação.
Então, o quão difícil é tornar-se uma mulher etérea sobre oito rodas? Bem, quando você coloca o seu par de patins pela primeira vez, você ficará parecendo mais com um filhote de corça em uma área de gelo escorregadia. Cada passo é vacilante e incerto e, francamente, aterrorizante. Você irá andar ao longo do pavimento em solavancos de terror muito mais que deslizando sem esforço. E você irá cair! Ah, você irá certamente cair.
Há um mês, quando eu calcei um par de patins pela primeira vez em toda a minha vida, eu já esperava por uma queda. Mas minha queda mais forte não foi de costas, de joelhos ou algo assim. Foi para dentro de um buraco de um trauma de infância, que eu não esperava desenterrar pela única influência de uma tendência inocente de um aplicativo.
Eu pretendia que esta história fosse um documentário divertido e bobo das minhas tentativas de ser parecida com uma adolescente legal na idade exata de 28 anos. Ao contrário disto, isto se tornou uma terapia.
O ressurgimento da patinação nos vídeos do Tik Tok proveniente de diversos patinadores hipnotizantes, mas notadamente de Ana Coto, que tem mais de 2,2milhões de seguidores naquela plataforma. O momento tem muita coisa a ver com isto. A maior razão é que a patinação é o hobby solo perfeito para um mundo levemente apocalíptico como este que estamos vivendo hoje.
Durante esta quarentena, muitos adultos retornaram aos seus hobbies de infância como forma de passar o tempo. Dos quebra cabeças aos jogos de desatar nós e à construção de modelos, o distanciamento social trouxe de volta muitas maneiras infantis de matar o tempo. E, neste caso, podemos incluir a patinação.
“Houve definitivamente uma explosão nos meses mais recentes – e temos lutado muito com a demanda,” diz o CEO da Impala Skates Matt Hill, sobre a popularidade dos patins na atualidade. A empresa está na vanguarda da produção de patins de preços acessíveis para a Geração Z e os millennials. “mesmo depois que a quarentena foi interrompida nos EUA, nós só temos visto a demanda aumentar, o que mostra claramente um grande movimento além da quarentena e da COVID.”
Hill adiciona que, “Nós adoramos a ideia de que a patinação está ajudando as pessoas a passarem por lockdowns, manterem-se saudáveis e permanecerem conectadas enquanto comunidade durante um tempo que, de outras maneiras, seriam de forte isolamento.”
Esta remodelagem de paixões da infância, incluindo a patinação é, com certeza, o resultado do grande volume de tempo ocioso somado ao súbito choque de mortalidade da pandemia no mundo inteiro. Na verdade é um tipo de mecanismo surgido para um mundo ainda incerto, que permite uma retirada para um lugar que é cheio de memórias confortantes e de muita suavidade.
Eu nunca havia me sentido particularmente conectada com minha infância, deixei pra trás todos os hobbies e brincadeiras. I sempre digo às pessoas que eu fui criada para ser um mini adulto, com expectativas de comportamento e regras estritas que não encorajavam a exploração normal da infância ou aquele típico comportamento mais irresponsável. Eu cresci longe das outras crianças além da minha irmã, nunca fui a parques e playgrounds e raramente via amigos fora do ambiente de minha escola.
Eu também era muito carente de hobbies quando era criança, além de umas aulas de dança até a idade de nove anos quando meus pais decidiram não me manter mais matriculada. Eu passei todo o meu tempo com livros, Barbies, TV e aqueles pôsteres ridículos para colorir que existiam nos anos 90. Eu tinha uma bicicleta que eu nunca aprendi a andar nela e também um par de patins em linha que nunca foram usados sem as rodas sobressalentes de treinamento.
Minhas memórias da infância são fracas e mais ou menos indefinidas, distantes e carecem de vibração. As únicas recordações que eu tenho são, em sua maioria, coletadas e rememoradas pelas histórias de outras pessoas. Um médico me informou que isto é um sintoma de PTSD, um método de auto preservação que manteve de fora o bom e o ruim, resultando em uma bolha de absolutamente nada.
Mas vendo mulheres no Tik Tok, deslizando ao longo do asfalto, disparou algum tipo de gatilho em mim. Mesmo aos 28 anos e bem longe de uma adolescente moderna, eu queria ser que nem elas. Elas são maravilhosamente e totalmente livres, ao mesmo tempo canalizando a alegria da criança e mostrando empoderamento, feminilidade e confiança. Elas estão fluindo, livres e felizes. Não estão sendo seguras por nada.
Quando eu calcei pela primeira vez meu par de patins, eu automaticamente me senti em uma vertigem de nervosismo e excitação.
Aprender como patinar tem certo risco. Faz com que você se sinta estranhamente ridícula na medida em que tenta se mover. Exige também a aceitação de inevitáveis arranhões, batidas e quedas. Também exige que você canalize aquela bravura da infância, uma coisa que a gente tende a perder enquanto amadurecemos.
Foi necessário o encorajamento incansável e gentil de um amigo, através de conversas por vídeo, para que eu finalmente conseguisse me levantar sobre meus patins. Vocês conhecem aquele momento de um frio na barriga quando você tem que prevenir-se de cair em um local coberto de gelo? Imagine este mesmo terror a partir de cada passo que você dá.
Na verdade a patinação deslizante, como a que as estrelas dos patins fazem sem esforço, toma um grande esforço – sem mencionar habilidade, prática e paciência.
Até mesmo agora, mais de um mês de minha jornada, estou ainda muito longe de uma das patinadoras de destaque nos aplicativos. Eu não estou aterrorizada, mas não sou uma patinadora confiante como as deusas deslizando pelas calçadas de cidade de Nova Iorque. E, com certeza, não tenho ainda as habilidades necessárias para mostrar nas redes os meus movimentos – francamente porque eu ainda não domino qualquer tipo de manobra especial. Eu consegui apenas aprimorar a patinação em uma linha reta com boa técnica e consigo parar sem que tenha que me agarrar no objeto estacionário mais próximo. Estas habilidades não irão me tornar a próxima Ana Coto, mas eles me parecem claramente como um grande progresso.
Mas aprender a patinar tem sido algo mais do aprender a ficar estável em oito rodas sem parecer alguém em uma pista de gelo altamente lisa. A patinação me premiou com um tipo único de diversão pura e juvenil. É a adrenalina de uma situação moderadamente aterrorizante misturada com aquela coisa infantil de estar risonha e tonta que é familiar para muitos, mas de alguma forma totalmente estranha para mim.
Mas até mesmo se eu estou a um passo de um desastre sobre rodas, patinar me ajudou a canalizar finalmente a minha infância. Adquirir aquele sentimento longo e ilusório das maravilhas da juventude me ajudou a concluir que eu não tinha sido permitida de ser criança há anos atrás. Eu ainda posso atingir aquela garota curiosa e aventureira que me foi negada.
Quando eu estou patinando, eu sou totalmente e maravilhosamente livre, canalizando a alegria das crianças e um empoderamento aliado à feminilidade confiante. Eu estou fluindo, livre e feliz sem ser segura ou atada a nada ao meu redor.
Por Katie Dupere