A Patinação Também Foi, de Certa Forma, Uma Atividade Política
|Cinquenta e sete anos antes das mulheres terem conquistado o direito ao voto, mesmo assim, elas já eram iguais em um ringue de patinação. No Dia de Todos os Santos, em dois de novembro de 1869, o “The Picayune” noticiava que “havia um grande número de patinadores na pista e, entre todos estes, por volta de 15 a 20 senhoras.”
Em um tempo em que as mulheres nunca eram inclusas, especialmente em alguma coisa que fosse relacionada com atividades físicas, praticamente uma atividade considerada “propriedade” dos homens, esta inclusão foi algo monumental e de importância histórica. Os patins da época foram, de uma maneira muito inteligente, anunciados e divulgados como uma atividade que os jovens casais da era Vitoriana poderiam compartilhar e praticar juntos, sem qualquer tipo de preconceito ou de serem vistos como de comportamento inapropriado.
A patinação tem sido popular em Nova Orleans desde a invenção dos patins quad em 1863. Isto décadas antes desta celebração do Dia de Todos os Santos, já havia uma ligação clara e inescapável entre a patinação e os movimentos contra a segregação racial nos EUA e Europa. Em 1892, Homer Plessy foi preso em Nova Orleans por violar as regras de segregação no uso de áreas de patinação.
Plessy, se tornou o acusado no icônico caso americano Plessy versus Fergusen, que estabeleceu o status “separados, mas iguais” como constitucionalmente válido. Os ringues de patinação imediatamente provocaram conflitos raciais no momento em que começaram a ser construídos pelo país, na medida em que os proprietários brancos barravam os patinadores negros de adentrar em seus locais e as comunidades negras reagiram ao ato através de protestos e várias passeatas e demonstrações. De fato, um dos primeiros protestos de ativistas “acampados” em algum local foi um que era tecnicamente “acampados com patins” em um ringue local.
Durante o Movimento Pelos Direitos Civis, quando as escolas e os prédios governamentais começaram a abolir as normas de segregação, as pessoas “brancas” exigiam que a segregação devia continuar dentro dos ringues de patinação no país. As noites de temática “urbana” e “adulta” que eram focadas nos patinadores negros na verdade, essencialmente, acabaram por reforçar ainda mais a segregação que já existia desde sempre. Um novo tipo de “separados, mas iguais” que surgia na luta da comunidade de patinadores negros. No filme “United Skate” (Patins Unidos), uma cena mostra um patinador mais velho falando sobre os protestos de sua juventude, no lado de fora de um ringue, pelo direito de patinar, e sendo atacado por um grupo local de supremacistas brancos.
Imagine, é uma noite “temática” ou “adulta” no ringue local de patinação. No lado de fora temos uma forte presença da polícia e possivelmente ativistas brancos protestando. Para entrar você tem que passar por detectores de metal e ser revistado do alto a baixo, mas uma vez que você estiver dentro do prédio, a excitação é quase palpável. A tensão e animosidade do lado de fora não é encontrada em local nenhum na parte interna. Dentro do recinto é um paraíso seguro. Jovens ou crianças que não possuem cuidados infantis do governo estabelecidos não mais estão nas ruas, eles estão dentro de um prédio seguro praticando suas habilidades atléticas e sua expressão corporal, enquanto são acompanhados e recebem suporte de seus pares e cuidadores mais velhos.
O cuidado com as crianças então começa a ser uma tarefa da comunidade. As pessoas riem, balançam as mãos com alegria e desprendimento e patinam livremente juntas, criando novos estilos regionais e coreografias. Membros de gangues rivais, do lado de fora, podem ser vistas lado a lado desfrutando a noite. Fora do ringue eles até podem querer a morte uns dos outros, mas lá dentro, eles tornam-se uma única família. Rappers, DJs e outros artistas negros tocavam nos ringues de patinação nas noites “temáticas,” simplesmente porque eles não eram autorizados a fazê-lo em outras áreas da cidade.
As noites “temáticas” se tornaram um paraíso seguro para a cultura e a música afro e, como consequência, permitiram o nascimento do Hip-hop como um novo gênero musical. Uma bem longa lista de artistas que foram ícones como Dre e Queen Latifah começaram suas carreiras se apresentando em diferentes ringues de patinação pelo país. Destes humildes começos como DJs, que tocavam para os apaixonados pela patinação, o Hip-hop e a cultura hip-hop emergiu e se solidificou até os nossos dias.
Com o passar do tempo os ringues de patinação se tornaram livres de maneira definitiva e legalizada, mas as noites “adultas” ainda continuam atraindo muitas comunidades de patinadores afrodescendentes e músicos que refinam suas habilidades e novas criações. Na verdade, a patinação se tornou um pilar essencial no ativismo Afro e na sua organização, da mesma forma que santificou um espaço de união da comunidade para celebrar sua cultura e a excelência Afro.