A História Por Trás das Tendências da Patinação
|Em uma alegre antítese ao pânico de comprar, muitas lojas no mundo todo estão reportando falta de estoque em patins de todos os modelos e tipos, assim como histórias de patinadores e patinação estão em todos os principais sites de notícias. Talvez este recente crescimento inesperado na patinação não deveria ter vindo pelas razões tão inesperadas da COVID-19. Aliás, o esporte tem sempre estado ligado profundamente com as relações e o espírito de cada época e, como não poderia deixar de ser, com o marketing em massa.
Crianças, jovens e adultos estão em uma busca frenética por novas atividades de verão em tempos de pandemia, algo que lhes traga um pouco de conforto mental e psicológico de tudo aquilo que está acontecendo hoje. Embora a patinação seja fundamentalmente uma atividade solitária – na verdade todos nós patinamos sozinhos – também é algo que nós podemos aproveitar e, ao mesmo tempo, manter o distanciamento social adequado às exigências do momento.
No geral a nossa imagem mental de pessoas patinando pode variar desde uma garota com fama no Tik Tok até mesmo uma lembrança da era mais antiga da Disco Music do ABBA na capa de um LP de vinil. Mas, de tudo isto, a mais bem documentada utilização dos patins aconteceu há mais de dois séculos atrás, muito antes de tudo isto, em 1743, em uma apresentação teatral na qual os atores adicionaram rodas aos sapatos para imitar o que seria a patinação no gelo em um palco. O debut sobre rodas do inventor John Joseph Merlin fez uma impressionante marca nos anais da história da patinação.
Conhecido por sua personalidade excêntrica e suas roupas extravagantes, Merlin, nascido na Bélgica acabou por utilizar-se dos patins com o objetivo de chamar a atenção para uma série de outras invenções de sua autoria, como até mesmo balanças comuns. Ele veio a projetar o seu primeiro par de patins após ter se mudado para a cidade de Londres, saindo de Huy, na Bélgica, em 1760. Infelizmente, os patins inventados por ele não possuíam freios e, ele pessoalmente, era carente de equilíbrio. A história é conhecida de quando ele tentou patinar em um baile de máscaras, enquanto tocava violino, e acabou por chocar-se desastrosamente com um espelho, quebrou o seu instrumento e terminou com severos machucados pelo corpo.
Não foi muito longe disto que outro intrépido inventor veio a observar o potencial que os patins apresentavam para os negócios e a diversão de todos. O inventor francês M. Petitbled patenteou um equipamento de 3 rodas em linha na cidade de Paris, na França, em 1819. Mas ainda assim não foi antes de 1864 que James Plimpton literalmente revolucionou os esportes sobre rodas ao projetar seus patins quad de 4 rodas, de acordo com o Museu Nacional da Patinação nos EUA. Mas Plimpton não parou apenas por aí. Em conjunto com o produto inventado ele também trabalhou para criar a demanda por este. Ele criou a Associação De Patinação de Nova Iorque; abriu o primeiro ringue de patinação, que se tem notícia, em um resort em Rhode Island em 1866; e até mesmo ministrou aulas de patinação nos anos 1870. Mas o seu verdadeiro gênio estava mesmo na propaganda e divulgação da patinação como uma atividade apropriada para homens e mulheres praticarem juntos, permitindo que jovens casais da era Vitoriana pudessem se encontrar sem todos os rígidos controles e costumes da época.
Talvez seja esta uma das razões pelas quais a patinação tem que ser tomada ainda mais a sério como esporte olímpico: é muito mais divertido do que parece ser.
A patinação 4 rodas moderna ainda guarda alguns traços daquela época do saudosismo Vitoriano, uma coisa que outros esportes com patins, como a patinação em linha In-line, a prática do skate e especialmente a patinação sobre o gelo – com aquelas lâminas que mais parecem uma arma cortando através de uma superfície congelada e dura – simplesmente não possuem. Talvez esteja aí uma das principais razões para que a patinação quad tenha que ser levada bem mais a sério como um esporte Olímpico; é simplesmente muito mais divertido. Com uma barreira relativamente pequena para entrar, a patinação quad também se encaixa em programas especiais de exercícios, muito mais que tantos outros esportes. Um dos pontos principais é que um par de patins para colocar você, já em atividade imediata, custa por volta de uns R$ 200,00, é praticamente todo o investimento necessário que você precisa. Não existem taxas mensais de quadras e ringues que possam mantê-lo fora da atividade, já que podemos praticar em qualquer lugar com qualquer tipo de piso ou terreno. Você encontrará sempre alguma área com pavimentação adequada, sem muito esforço e por perto de onde reside.
Isto posto claramente, muitas pessoas preferem a patinação em ringues e quadras especiais. Por volta dos anos 1880 os fabricantes estavam produzindo patins de todos os modelos em massa e, a construção de ringues e quadras seguiu a tendência imediatamente, principalmente na Nova Inglaterra.
O campo da medicina acabou por tomar conhecimento desta nova loucura. “Existe certamente, no presente momento, uma paixão um tanto quanto exagerada e uma aceitação tácita na prática da patinação,” escrevem os autores da “Revisão Médica da Patinação,” publicada pela revista americana Scientific American, em 1885. Ainda assim eles tiveram que admitir:
…pesquisas consideráveis no segmento falharam em elucidar quaisquer fatos que mostrem que qualquer tipo de patinação, praticada de forma comedida, causa qualquer tipo de dano às crianças em crescimento, ou poderá produzir qualquer tipo de doença ou injúria que sejam peculiares ao esporte… Em proporção com o imenso número de pessoas que estão fortemente engajadas em divagações sobre pisos polidos durante o último inverno, os problemas patológicos recorrentes têm sido muito pequenos.
Londres também entrou na ringue mania e, em 1913, no jornal British Medical Journal, médicos acabaram por iniciar a prescrição da patinação como uma “valiosa forma de exercício físico.” Eles também destacaram que a música que é tocada nos ringues e quadras de patinação tornam muito mais fáceis para os patinadores marcarem o passo em seus esforços por aprimoramento. Para verdadeiramente maximizar os benefícios à saúde, eles explicam, um patinador precisa estar preparado para ficar quente e uma completa massa de suor:
Os exercícios para uma melhor saúde física podem estar ligados, praticamente, aos termos de dispêndio de energia muscular, estímulos à circulação em geral e ao aumento da transpiração corporal. A menos que a transpiração siga sempre em conjunto com a patinação o patinador não conseguirá obter o máximo benefício que for possível.
Os médicos britânicos recomendam a patinação em quadras e ringues como uma parte importante de um programa que deveria incluir também a ginástica, a dança, a esgrima e o tênis em ambientes fechados.
Ao mesmo tempo, os inventores estavam tentando promover a patinação também como uma forma de transporte outdoor. Em uma edição da Scientific American de 1917, os autores sugeriam aos aficionados que utilizassem seus patins para ir ao trabalho. Seus principais pontos de marketing e vendas: ao contrário de outros tipos de veículos, os patins podem ser levados para dentro das instalações junto com você. Eles estavam tão confiantes nos potenciais que surgiam com os patins para transporte civil que até posicionaram a prática do uso militar:
Assim como tantos outros veículos, os patins aprimorados serão utilizados certamente com propósito de negócios e até, em uma versão estendida, acredita o inventor, será possível que possa ser utilizado de forma extensiva pelas forças armadas, para uma locomoção mais rápida de soldados em locais que sejam favoráveis ao seu uso em massa.
A patinação militar nunca realmente decolou, mas os ringues de patinação em si acabaram por tornarem-se locais de conflitos raciais praticamente no momento em que surgiram. A comunidade Afro de Boston protestou quando o gerente barrou dois Afro Americanos de adentrarem seu ringue dizendo: ”Eu não permito pessoas de cor patinarem em meu piso… Eu não quebraria a regra nem mesmo se esta pessoa fosse uma personalidade de origem Afro conhecida.” Os ringues segregados permaneceram como norma através da era dos Direitos Civis, e as pessoas de origem branca protestaram para que isto fosse mantido desta forma. Mesmo depois do Ato dos Direitos Civis nos EUA, os ringues de patinação mantiveram permanente a segregação através de noites “urbanas” ou “para adultos” com foco em patinadores de origem Afro. De acordo com o documentário United Skate, o esporte permanece íntegro para muitas pessoas Afro descendentes, que tem desenvolvido numerosos estilos regionais relacionados com cidades específicas nos EUA.
Por aproximadamente duas décadas, mulheres praticantes da patinação de todas as etnias, tamanhos e orientação sexual também tem desafiado o que o atletismo, sensualidade e feminilidade podem cruzar e romper com a maior tendência da patinação do milênio: o roller derby. O esporte de full contact (contato total ou violento) ganhou popularidade internacional após o lançamento do documentário de derby “Hell On Wheels” e Drew Barrymore dirigiu o filme Whip It. O Roller derby é conhecido por ter uma estética corajosa pós punk, com os jogadores vestindo uniformes que parecem fantasias e, algumas vezes, meias de redes de arrastão e maquiagem. Como resultado disto, os escolados de plantão tem criticado que este é um tipo de performance para o grupo masculino. Mas a feminista ativista Ula Klein acredita que o derby é mais um veículo de empoderamento feminino que oferece a oportunidade de liderança, camaradagem e inclusão.
Em “Transporting Into Academia Lessons from the Body Slam,” (Transportando para a academia das aulas do
Impacto Corporal) a Judia e escritora Mexicana Americana Lee Ann Epstein apresenta uma proposta altamente pessoal de suas experiências étnicas, feminilidade e o roller derby, que ajudou a desmistificar, segundo ela, “aquela visão profundamente enraizada de como eu deveria me conduzir na vida.” Epstein descreve uma experiência enquanto praticando o esporte:
Eu estava suada, xingando e vomitando em área de grama devido à exaustão excessiva. Minhas meias de rede estavam torcidas e formigas começaram a morder minhas mãos antes que eu pudesse levantar meu rosto da grama. O que diabos em estava fazendo lá? Uma das garotas havia me empurrado intencionalmente para fora do asfalto, o que ralou minhas nádegas como um pedaço de queijo. Estou certa que todos que estavam naquele estacionamento conseguiram um grande show. Mas por incrível que pareça, nós não estávamos lutando ou brigando. Nós estávamos tão somente praticando roller derby. O Roller derby alterou todos os meus valores da boa garota da escola em um esporte agressivo e abrasivo. Embora meus conflitos internos, eu amei cada momento doloroso e maravilhoso que vivi.
Para Epstein, tudo deste até mesmo seu nome de derby (“Matza Brawl”) até conseguir ter seu nariz quebrado descolonizou seu pensamento e a preparou para ser uma mulher também na academia, que, como a maioria dos esportes, sempre teve uma tendência de ser dominada pelos homens.
Em um poema intitulado simplesmente de “Rollerskates,” o escritor David Longstreth também usa a patinação para exploras temas de alteração e assimilação. Embora não esteja claro que ele seja ou não um patinador, Longstreth usa a atividade como uma metáfora para a maneira como a família imigrante caminhou através desta vida, em contraste com a caminhada e a corrida da cultura dominante na qual ele se encontrava. Em uma passagem particularmente pungente, ele escreve:
My first step (Meu primeiro passo)
was really a first roll (foi na realidade a minha primeira rolada)
And that’s the way I learned to get around (E esta é a maneira que eu aprendi a me encontrar)
The way my parents did (A maneira que meus pais fizeram)
Fluidly, gracefully, efficiently (Fluidamente, graciosamente e eficientemente)
Naturally (Naturalmente)
The momentum of countless generations (A dinâmica de inúmera gerações)
of grandparents all wheeled and proud (de avós todos sobre rodas e orgulhosos)
Propelling me forward (Propulsionando-me para a frente)
Strong arms behind me if I leaned back too far (Braços fortes por trás de mim se eu me inclinasse longe demais)
Desde que Merlin inventou o primeiro par de patins, a patinação vem refletindo a nossa individualidade, tanto quanto as nossas relações com as outras pessoas e com os eventos coletivos importantes. Na medida em que 2020 progride, talvez a patinação também possa servir como uma metáfora física para continuar em frente, um processo de começos falsos e tentativas erradas e uma constante e permanente correção de rumos, na esperança de carregarmos em frente uma maior empatia e equidade.